No início, é o verbo

Tudo começa quando queremos fazer um filme novo. procuramos uma história.

Eu começo sempre com uma questão. Sempre que estou procurando o que filmar uma questão se impõe para mim: fico procurando um tema para desdizer o destino terceiro mundista que nos é legado pelo 'pensamento' colonizador do primeiro mundo.

Dizem que o nosso lugar é o da Barbárie. O que o colonizador/curador quer de nossos filmes? Que correspondam ao 'desejo' deles. Que afirmem a barbárie.

Quero escapar desse lugar. Quero me revelar branco, preto, índio, brasileiro que sente angústia, preguiça e muito desejo de fazer as coisas do nosso jeito. E de não precisar de ninguém para avalizar isso de fora.

Descobri o livro "Máquina de Pinball", de Clarah Averbuck, lendo uma matéria da Córa Ronai sobre escritores que migravam da Internet.

Achei então que a internet pudesse ser o meu tema, pois é um espaço que Brasileiros estão conquistando, fruto de uma nova individualidade que brota nos poros das grandes cidades. Sem complexo de nascença, sem problema de afirmação da origem, sem a culpa branca da origem, sem o pecado do lado de baixo do equador.

Uma geração que simplesmente procura seu espaço identitário fora do complexo de vira-lata e da barbárie.

Foi por isso escolhi "Maquina de Pinball". Achei que tinha encontrado um tema! Mas, o livro, desafiador, me colocava um problema: precisava me encontrar ali dentro. Seu conteúdo tinha que fazer sentido para mim. Me debatia como a bola de pinball com essa dificuldade. A internet me empurrou para dentro da Máquina, mas não me identificava com seu conteúdo. Impossível. Ainda não estava preparado para estar ali. Nada fazia sentido.

Pedi a Elena Soarez que me ajudasse a descobrir o que existia no livro que me intrigava. Quando li o primeiro roteiro, percebi o que "Máquina de Pinball" me mostrava. Consegui enxergar Camila dizendo: me olhe, me veja, me sinta. Como no clássico do The Who. Uma MULHER.

Elena me fez perceber a narrativa possível. E, então, as coisas foram ganhando sentido. Primeiro mergulhei ali dentro, me perdendo. Depois, para sobreviver, fui fazendo aquilo se tornar uma história, primeiro irreal, porque surreal, depois necessária. Uma raiva que virou tesão. Que tinha encontrado uma possibilidade de fuga, mas que ainda precisava de esfregação para se tornar uma história de verdade.

Foi muita esfregação. Aprendi a me esfregar com Clarisses, com Hildas, com Cristinas, com Margaridas, com Espancas, com D'Avilas, com muitas mulheres - intensas mulheres que nos fazem temê-las por tanta intensidade, pois o campo 'estável' do masculino é prá fora. Homem não sabe muito bem o que é interioridade, melhor dito: ele teme a interioridade. Homem que é homem só encontra redenção na Vitória, conquistando, fodendo com outros homens, possuindo mulheres. Pobre coitado dos homens.

Descobri que o tema da história que procurava era o feminino em sua complexidade, seu transbordamento. Para tal tarefa, com muito esforço e concentração, me tornei a melhor Camila. Eu sou a melhor Camila. Tinha que estar no filme, só assim viraria uma história real, ia ganhar sentido, identidade.

"Uma História Real" - foi com esse título que filmamos.

Construindo narrativas, encontramos transcendência, podemos criar um espaço de redenção, de sonho, de realização.

Sim, acabei ao final de tudo, com todas as dolorosas esfregações me tornando algo que não sou, encontrando o meu desconhecido, meu heterônimo: Camila Lopes.

Mas, filme pronto, tudo isso passou a me inquietar. O nome do filme me trazia um desconforto ético, porque também não era uma história real, era só uma ficção.

Descobri ao final de tudo que estava procurando um Nome Próprio.


Que filme estamos fazendo? II
texto escrito em 26/02/2006

Cinema de Liturgia

Procurei por um tempo um conceito que pudesse definir um certo cinema que persigo e que gosto. Não sou um cineasta que faz o "cinema de poesia" Pasoliniano por definição, como Rui Guerra em Estorvo, ou Julio Bressane em Filme de Amor. Meus filmes são narrativos, gosto de emocionar, gosto do "como contar" histórias, quer dizer, gosto de linguagem.

Portanto, persigo um cinema que se constrói pela imagem, por isso gosto MUITO do L'Humanité e de Elephant, que são filmes que narram histórias mas que constroem sua forma específica e absolutamente criativa de narrar, pela imagem. Ser narrativo não é oposto de ser inventivo ou criativo. Bertolucci é narrativo e Godard faz cinema de poesia, não narrativo. Eu gosto muito de ambos.

Faço cinema para me entender no mundo e entender o mundo. Gosto de olhar, não é à toa que sou fotografo. Acho que esse filme vai ter uma levada contemplativa.

Temos que descobrir a forma para contar essa história real. Formular os conceitos que irão nortear nosso trabalho.

Então, quero definir um estética, uma ética cinematográfica.

Fui então procurar um conceito que definisse o que visualizo como estética narrativa imagística. Nessa busca, me lembrei da minha primeira comunhão. Sim, sou de família católica, principalmente meu pai. Fiz primeira comunhão. Vivi o ato da minha "primeira comunhão" com muita intensidade.

Essa lembrança me levou ao "insight" de que a intensidade simbólica da comunhão é muito cinematográfica e define com bastante clareza o que PROCURO quando penso como fazer um filme: fazer um cinema radicalmente cinematográfico.

O momento da "comunhão", com seu ritual, com os sinos tocando, com o mantra rezado pelo padre, o eco dos sons na igreja, o gestual do padre em "elevar a hóstia", o cálice de ouro, os crentes de joelho, tudo isso adiciona sentidos para criar uma narrativa para emocionar quem acredita.

Mas quero chegar nisso: é pura imagem, é pura encenação, a música (os sinos tocados pelo sacristão), o efeito (o eco, a espacialidade da igreja) a locação, o ator/personagem (padre) etc. Tudo é som+imagem, com poucas falas (mais mantras). Tudo formatando uma narrativa para emocionar.

Poderia dizer o mesmo de uma cerimônia de um casamento judaico, ou um ritual de iniciação no Candomblé. São encenações cheias de sentido narrativo com extrema força visual. Isso é CINEMA.

Por isso intitulo a idéia do cinema que persigo de "cinema de liturgia".

Ícones do meu cinema de liturgia:
GESTOS - gestual é uma "ação" muito cinematográfica. Procurar gestos delicados, intensos, descontraidamente desenhados. Falar com o CORPO. O gesto pensa.
OLHAR - Falar com os olhos. A história do olho, olhar. Um órgão investigador, com "pulsão própria", que cria uma linguagem própria. Uma forma particular e específica de produção de linguagem.
ATITUDE - a atitude é embutida, é gestual, é espiritual, é ideológica, é POLÍTICA.
Se expressa pela voz, pela entonação da voz, pelo vestir, pelo andar, pela ocupação do espaço. Sai pelo gesto. Sai pela fala, pelo conteúdo. Atitude.
TEMPO - A elaboração do tempo interno da ação e da emoção. O tempo da explosão histérica. O tempo da contemplação. O tempo do speed químico. O tempo de tomar uma atitude. A elaboração do tempo em suas diversas matizes, que sempre deve nos surpreender. A repetição (dos tempos internos e da ação) leva à banalização porque torna o tempo previsível. O tempo, sempre, tem que nos surpreender.
ESPAÇO - O espaço é nosso palco. Mas no cinema ele é tridimensional. O espaço fala. O espaço tem conceito. Nossa ação no espaço diz sobre nós e o que queremos, um dizer visual, icônico. Espaço é vital nesse filme.
ROUPA - Nossa segunda pele. Nossa atitude. Nosso desejo, nossa limitação. Nos representa e nos enclausura. Por isso, Camila despe-se.
RITUAIS CORPORAIS - Estou interessado nos rituais corporais de nosso cotidiano. Nosso desafio é converter atividades básicas tais como, comer, escrever num computador, tomar banho, limpar a casa, em processos esculturais. Usar o gesto para preencher o espaço de forma escultural, em dinâmica com a pulsão que emana da energia do personagem na cena. O processo escultural é o resultado formal do uso dessa pulsão gestual.

O corpo é o lugar de criação nesse filme.

Uma autenticidade que é construída na/pela ficção.

O que esse filme revela? A 'honestidade existencial' de cada um dos personagens. Por mais diversos e estranhos que os personagens sejam, eles têm que emanar uma integridade existencial para serem verdadeiros.

Nada nesse filme deve ser composto com um olhar de fora, de nós os artistas técnicos. Devemos pensar, criar e trabalhar a partir das subjetividades que irão emanar dos personagens. Vamos ajudar os atores a construir essa subjetividade.

Por exemplo: o figurino são roupas que os personagens usam na vida normal/real, os "looks" não são "looks", o "look" é uma palavra que vem da MODA e aqui não existe moda, existe a atitude de cada personagem.

Cada um deles tem que emergir com verdade orgânica e singular. Temos que construir essa subjetividade no todo da imagem que CERCA o personagem. No espaço, nos objetos, na roupa, nas cores, na luz, na locação.

A continuar... um dia.

Que filme estamos fazendo? texto escrito em 28/01/2006

Este texto serve para o exercício de conceituação do filme.

Para ajudar a pensar e a investigar sobre o filme que estamos fazendo.

Esse filme, em primeiro lugar, é uma homenagem à ficção. É na ficção que o homem experimenta o seu melhor e pior, é o lugar onde ele formula seu ideário artístico e existencial, seu sonho, sua utopia; onde exalta de alegria, onde expõe seu sofrimento e sua perplexidade diante do desconhecido.

A ficção é a mais sofisticada forma de "representação" dos humanos. Podemos pensar num quadro de Renoir como uma ficção, ou qualquer outro pintor. A obra de Duchamps é FICCIONAL TOTAL, é pura "produção de pensamento".

Vamos ao que interessa. NOSSAS QUESTÕES:

Que cinema queremos praticar?

Do que trata esse filme?

Essas duas são as questões básicas sobre as quais devemos nos debruçar.

Pensar que tipo de cinema nós queremos fazer, que narrativa queremos construir.

Sem essa reflexão não vamos produzir nada que seja específico, singular, "desse filme", com a personalidade que o filme necessita.

Como fazer deste filme um filme delicado (pois se trata de um filme sobre feminilidade) e brutal (pois fala, ao fim, como sempre, sobre a vida) ao mesmo tempo?

Como filmar a história de Camila?

Essa história tem que emanar muita verdade. Mas não como num documentário, pois documentários são construídos pelo rigor/pensamento -montagem- no uso do acaso.

Na ficção trabalhamos muito mais com a construção de linguagem.

Construir uma história com uso, gasta pela sua trajetória, pelo seu tempo anterior.

Uma história reforçada por detalhes que nós, que trabalhamos criativamente no filme, vamos 'adicionar' de nossas histórias pessoais na história real. Só assim construímos algo com singularidade: verdadeiro?

Quais TEMAS abordamos nessa história real?

1- Desamparo: Camila se largou na vida. O filme é um rito da afirmação desse desamparo. Sem tal enfrentamento, não nos tornamos humanos viáveis. É um filme sobre desamparo, sobre gente desamparada, largada no mundo e que tem que dar conta de tudo sozinha(os)

2- Feminilidade: Um filme encarnado em uma MULHER. Inevitavelmente um filme sobre o feminino. Assunto cabeludo. Podemos iniciar conceituando que é um filme sobre excesso.

Excesso da presença da protagonista: desejos, obsessões, dificuldades, prazeres. Por isso, um filme difícil para mim, Murilo. Para tal tarefa me cerquei de mulheres sensíveis e inteligentes, desde o roteiro e, principalmente, na filmagem. Dependo da sensibilidade e inteligência das minhas companheiras de equipe. Preciso do olhar atento e da razão crítica aguçada das minhas colaboradoras para que o "olhar sensível" do filme seja, se possível, organicamente feminino.

FILME OLHO

Nome Próprio é um filme olho.

É o resultado da esfregação do olho de uma câmera com a potência do corpo encarnado de uma atriz.

Esse filme também é a história da conjunção do Diretor com o Fotógrafo num ser. É o primeiro Longa em que Murilo Salles/diretor é também co-fotógrafo e principalmente câmera.

Nome Próprio foi feito com uma equipe pequena por opção estética, porque é um filme sobre intimidade. Qualquer ruído entre a câmera e a atriz dispersaria a energia que fluiu entre um corpo sujeito e a lente.

Camila existe nas telas, pois estava presente no corpo e na alma da Leandra, habitou um espaço ‘elaborado’ por Pedro Paulo de Souza e sua precisão temporal foi esculpida por Vânia Debs.

Nome Próprio emana uma enorme energia que foi sugada do elenco/equipe.

É um filme-câmera, no recorte dos espaços, na exposição da exuberância barroca do corpo, da captação da luz naturalista concebida com a radical coragem de ser quase nada. Luz de lâmpadas de 100 volts, 200 volts ou florescentes. A luz que esculpe uma verdade. Uma luz ética, pois prescinde da sedução do efeito, do truque do falso contraste de pedestal enterrado. O digital sem enganação. O digital que vai dominar, pois é libertário.

Libertário de um poder da técnica do Diretor de Fotografia. Que encobre suas limitações exercendo esse 'domínio'. O uso abusivo da 'ferramenta' para encobrir a falta de pensamento estético, a falta de pertinência na adequação fotográfica e principalmente a ignorância mesmo. Agora, com o Digital, o olhar está libertado para além da técnica, pois no digital tudo vira preset.

O que interessa agora é a questão da inteligência do olhar. Do saber olhar.

Nome Próprio inaugura isso radicalmente. Não é um filme ‘da luz’ é um filme ‘do olhar’. Do desejo do olhar. Do pensar como olhar. Do construir o olhar. Que destaca inclusive o 'recorte da luz', mas agora não mais como uma técnica que se impõe, pois não é o que vai fazer a diferença.

O Digital é libertário como o ato Duschampiano: nos liberta do poder do domínio de uma técnica.

Não precisamos mais do domínio do pincel para fazer ARTE. Precisamos de pensamento, de linguagem, de conceito, de história e principalmente de poética.

Na fotografia ocorre o mesmo, precisamos da inteligência no olhar ( para recortar, decupar, enquadrar) para a construção da poética da imagem. Enfim, precisamos de inteligência, não de um Dom que Deus nos deu.

Nome Próprio foi feito também porque era para ser em câmera Digital, e ele é digital na forma e no conteúdo, assim procura sua coerência estética e formal.

SOBRE A FOTOGRAFIA do FILME
Texto escrito em 25/01/2006 para ser trabalhado com Fernanda Riscali / Diretora de Fotografia

Hoje não tenho a menor idéia de como é a fotografia que esse filme precisa. Temos que procurá-la, temos que encontrá-la. Ela será resultante dessa busca e das realidades que formos encontrando.

Fizemos uma OPÇÃO RADICAL: a via digital do filme. Isso tem a ver com o assunto do filme, o mundo virtual, a escrita via internet, o blog de Camila, e aí, na base disso tudo, o pixel. A estrutura do ASSUNTO está na base de nossa captação: o dígito. O zero e o um. A passagem da luz e a opacidade.

Essa opção vai influenciar/determinar completamente o trabalho de criação das imagens: sim, no UHR, estamos mais próximos de uma nova imagem, de uma imagem de constituição pixial, não granular. Uma questão nova.

A cor no pixel é o registro de três valores de brilho, um para cada cor primária: RGB. Não adianta tentarmos "aplicar" conceitos fotográficos/cinematográficos pois eles não irão funcionar da mesma maneira, apesar de podermos falar de brilho, contraste, iluminação, latitude, grão... e cor. Mas com um NOVO PENSAMENTO. Temos que aprender a pensar essa nova concepção pictórica. Pois, na fotografia digital vamos procurar "o que brota dessa nova base". Trabalhar o específico do digital ainda com compressão. SIM, porque estaremos trabalhando/gravando imagens com uma compressão 4:2:2 e projetando em 4:2:0. Não estaremos trabalhando com 2.2 milhões de pixels em nosso CCD (Alta Definição) com 1.920 linhas por 1080. Estaremos trabalhando no mundo muito menos definido e com menos informação de cor (720p). Não adianta querer brigar contra isso: é isso e vamos nessa, procurar uma imagem inteligente e pertinente nesse formato.

Nosso filme será um filme de câmera/um filme de olhar.

Portanto precisamos apurar a inteligência/sensibilidade do nosso OLHAR.

O conceito de "Cinema-Poesia" de Pasolini, eu substituiria aqui por "olhar-poesia" mantendo o rigor de percebermos o tempo todo que existe uma câmera como posicionamento estético.

PREVILEGIAR a relação de intimidade da câmera com CAMILA.

Esses são nossos CONCEITOS, nossos OBJETIVOS. Narrar com a câmera, uma imagem silenciosa que tenta desvendar os mistérios de Camila .

Existe um OLHAR FEMININO? O que é isso? Enquadramento, fotografia? Como criar uma "subjetividade feminina" na imagem? Como a câmera vai "exalar" um estamento feminino com seu olhar para as coisas e para a realidade?

COMO CONSEGUIR ISSO?

Essa é a nossa questão. E você como MULHER tem que me ajudar MUITO a pensar isso tudo. Esse é um primeiro "menu" de questões que temos que pensar e tentar responder, pesquisar, adormecer com elas, sonhá-las e resolvê-las.

Acho que o CONCEITO FOTOGRÁFICO vai surgir na junção de dois fatores:

1- A câmera que vamos usar; e, 2- As locações que serão escolhidas.

- Quando tivermos esses dois fatores 'sobre controle', vamos passar para uma fase experimental: gravar as locações com a câmera e ver como reagem a luz existente, de dia e à noite em todas suas sutis variações.

- Depois desse check-up, vamos decidir o que PODEMOS e o que DEVEMOS fazer.

- Nessa experimentação é que vamos DESCOBRIR o estilo visual e fotográfico do filme UHR.

Acho que do "paper" de PRODUÇÃO podemos tirar as seguintes questões:

1- Estudar um conceito de luz para cada locação - interior / exterior / dia / noite.
2- Resolver o problema de correção de cor quando misturarmos Luz Daylight com Lâmpadas Incandescentes (2.800K) na filmagem.
3- Criação, desenvolvimento e construção das "luzes", das traquitanas, e das "luminárias" auxiliares para a fotografia do filme.
4- Estudar qual a melhor e mais fácil traquitana para colocar a câmera pendurada no teto de ponta-cabeça.
5- Outra coisa IMPORTANTE E URGENTE PARA IRMOS PENSQUISANDO: qual o tamanho da nossa equipe? Quem são?: de elétrico, de movimento e o ajudante para os dois.

Esse Nome também não é meu.

O texto 'Um Nome que não é meu' da Clarah Averbuck sobre "Nome Próprio" abre com a afirmação: esse filme não é meu. Sim, claro, não é dela. Nem muito menos sobre ela. Por isso tenho notado algum desapontamento nos comments do Blog, dos que vão assistir o filme à procura de Clarah Averbuck. O filme, está escrito na tela, é uma livre adaptação.

Essa história de o que é meu, seu, nosso, vosso e deles serve apenas para a concordância verbal. A relação literatura /cinema sempre existiu. Esse é o terceiro filme que adapto para cinema. Antes de Clarah foram João Gilberto Noll e Fernando Sabino. Sempre é isso, uma violação de intimidade, uma penetração. Relações são construídas assim. Entrar na intimidade é violento, lindo e pode render frutos maravilhosos. E, tudo bem, porque ao final a obra literária estará sempre lá, íntegra e intacta. O quê temer?

Na história dessa relação existem bons exemplos de adaptações fiéis como Vidas Secas, onde filme e livro estabelecem uma tabelinha Pelé/Coutinho; e outra, igualmente feliz, mas muito infiel, a de Hora da Estrela, onde nossa escritora maior foi absolutamente traída por Suzana Amaral, que simplesmente limou de sua narrativa a protagonista da história e fez um belo filme. Cinema e literatura, sabemos, cada qual tem sua especificidade, seu tempo, sua estrutura narrativa.

Ainda por cima, hoje, tudo é um grande texto e o que interessa é o sentido que damos às nossas re-escrituras, como determinamos nossas escolhas. Todas as histórias já foram contadas, inclusive as da Clarah, todos os filmes já foram feitos e dizem que os cineastas filmam o mesmo filme. Eu tenho certeza que sim. Clarah escreve livros, narrativas literárias. Não interessa se fundadas em sua vida real ou imaginada, pois a operação da escrita é uma operação de ficção, pois você exerce o poder do narrar, que é sempre uma escolha, um recorte, uma visão de mundo, uma possessão.

Os livros que adaptamos são da Clarah. A Camila da Clarah foi o início da procura pela minha Camila, que é mais do Fante. E nela estão todas as Clarices, todas as Anas, as Cristinas, as Hildas, as Duras, as Espancas e, principalmente a Margarida. Camila se constitui espelhada num hipertexto de mulheres intensas, ricas, contraditórias, histéricas, generosas, íntegras, corajosas, tais com, inclusive, Santa Tereza D'Ávila que está nas telas copydeskada pelo Murilo:

Nada me resta
senão me perder em você,
senão morrer um pouco,
senão gozar sem saber
do que se goza.

Camila é uma personagem vertiginosa que principalmente existe porque encarnada em Leandra Leal. E que afirma o seu tempo regido por Vânia Debs. Nos 'tempos' da voz interna da Camila/Murilo, da Camila/Leandra, da Camila/Vânia. Camila tinha que encontrar sua voz singular e escrever seus textos no tempo da leitura na tela. E com essa visibilidade ganhar a dimensão poética que a personagem tem no filme. Um tempo e um texto minuciosamente tricotado pelo talento de Viviane Mosé, da Vânia Debs, da Elena Soárez e da Melanie Dimantas. E de todas as mulheres intensas e incríveis que se tornaram presentes.

Nome Próprio precisou dessas vozes para ser o filme que é. Portanto esse Nome também não é o meu. É dele, do filme.